
A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é a principal causa de funcionamento anormal do fígado, principalmente nas regiões ocidentais, e seu nome deriva do fato de não estar associada ao consumo excessivo de álcool, uma causa bastante conhecida dos danos hepáticos. Ainda assim, especialmente no quesito das características histológicas, se assemelha bastante com os malefícios gerados pelo efeito tóxico do etanol no tecido hepático. O termo “doença hepática gordurosa não alcoólica” geralmente é considerado um termo guarda-chuva que descreve um conjunto de condições patológicas do fígado que vão desde a esteatose hepática, passando pela esteatohepatite não alcoólica, podendo causar fibrose e, em alguns casos, desenvolvimento de cirrose e carcinoma hepatocelular (mesmo sem a ingestão elevada de bebidas alcoólicas). (Brunt, et. al, 2015; Mundi, et. al, 2019)
Entre os principais fatores de risco, figuram o sobrepeso e a obesidade, principalmente quando há um excesso de gordura visceral. A idade (> 50 anos), presença de diabetes tipo 2 e hipertrigliceridemia também são considerados como importantes elementos relacionados ao surgimento da DHGNA. Contudo, mesmo na ausência de obesidade e diabetes, quadros de resistência à insulina e hiperinsulinemia aumentam a predisposição à essa condição hepática. Vale ainda ressaltar que crianças e adolescentes também podem ser diagnosticados com essa condição, principalmente aqueles com IMC de obesidade, maus hábitos alimentares e sedentarismo. Existe um componente genético já muito bem esclarecido na literatura correlacionado com o surgimento da DHGNA, que é a presença de polimorfismos no gene PNPLA3, relacionado ao acúmulo de gordura hepática. (Bedogni, et. al, 2005; Brunt, et. al, 2015)
Atualmente, a microbiota também é considerada entre um dos múltiplos fatores associados à patogênese da DHGNA, assunto que trataremos de maneira detalhada em um futuro post. (Buzzetti, et. al, 2016)
O excesso de ácidos graxos livres (AGL), que é convertido a triglicerídeos, e que se acumula nas células hepáticas, pode ter diferentes origens. Com elevada quantidade de tecido adiposo, um ambiente inflamatório se desenvolve e a resistência à insulina acaba fazendo com que muitos AGL fiquem disponíveis na corrente sanguínea e acabem sendo capturados pelo fígado. Aí entra a forte relação entre problemas na sinalização da insulina e a DHGNA. Além disso, a alimentação também tem papel crucial no acúmulo de gordura hepática. Fatores dietéticos como excesso de consumo de gorduras saturadas, colesterol, carboidratos simples e baixa ingestão de ácidos graxos insaturados e fibras estão fortemente associados ao desenvolvimento de esteatose, podendo progredir para as demais condições. Como muitos dos danos celulares causados na DHGNA estão relacionados ao excesso de radicais livres produzidos pela sobrecarga mitocondrial resultante do excesso de ácidos graxos, o baixo consumo de antioxidantes também aparece como fator alimentar importante relacionado às doenças hepáticas. (Brunt, et. al, 2015)
O fígado gorduroso não alcoólico é resultado de um excesso de acúmulo de gordura nos hepatócitos, as células constituintes do parênquima do fígado. Quando mais de 5% do conteúdo lipídico do fígado se encontra nessas células, temos o quadro de esteatose. Nessa condição, os hepatócitos já estão expostos a diferentes tipos de injúria e consequente inflamação, que dependendo do grau, já nesse estágio inicial pode levar à fibrose. Suspeita-se da presença da doença hepática gordurosa não alcoólica geralmente quando há presença de outras comorbidades metabólicas (citadas como fatores de risco) e o diagnóstico pode existir mesmo com níveis normais das enzimas hepáticas (aspartato aminotransferase - também conhecida como TGO - e alanina aminotransferase - a TGP). (Brunt, et. al, 2015; Mundi, et. al, 2019).
Quando há progressão para a esteatohepatite não alcoólica, além da esteatose, também estão presentes a inflamação lobular e portal, danos nos hepatócitos que adquirem uma característica de balão (balonismo hepatocelular) e fibrose pericelular, que pode evoluir para cirrose. Essa condição necessita de biópsia para confirmação, mas a suspeita surge quando as aminotransferases apresentam valores anormais, pois a sua elevada presença no sangue demonstra seu extravasamento das células hepáticas, causado pelos danos ao tecido. A cirrose e o carcinoma hepatocelular são progressões da DHGNA que representam as principais causas de morbidade associadas. (Mundi, et. al, 2019; Brunt, et. al, 2015)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bedogni, G., Miglioli, L., Masutti, F., Tiribelli, C., Marchesini, G., & Bellentani, S. (2005). Prevalence of and risk factors for nonalcoholic fatty liver disease: The Dionysos nutrition and liver study. Hepatology, 42(1), 44–52. doi:10.1002/hep.20734
Brunt, E. M., Wong, V. W.-S., Nobili, V., Day, C. P., Sookoian, S., Maher, J. J., … Rinella, M. E. (2015). Nonalcoholic fatty liver disease. Nature Reviews Disease Primers, 15080. doi:10.1038/nrdp.2015.80
Buzzetti, E., Pinzani, M., & Tsochatzis, E. A. (2016). The multiple-hit pathogenesis of non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD). Metabolism, 65(8), 1038–1048. doi:10.1016/j.metabol.2015.12.012
Mundi, M. S., Velapati, S., Patel, J., Kellogg, T. A., Abu Dayyeh, B. K., & Hurt, R. T. (2019). Evolution of NAFLD and Its Management. Nutrition in Clinical Practice. doi:10.1002/ncp.10449
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