O consumo de álcool e tabaco é reconhecidamente um fator de risco ambiental para o desenvolvimento de uma série de condições patológicas. O efeito dessas substâncias no aparelho digestivo parece contribuir para o surgimento de várias doenças que afetam esse sistema.
Assim que o etanol é ingerido, sua absorção acontece nas porções iniciais do intestino, em direção ao fígado, local em que estão presentes as enzimas capazes de metabolizá-lo, como a álcool desidrogenase. A depender da quantidade ingerida, o processo de metabolização perde a eficiência e começa a acumular-se um metabólito tóxico: o acetaldeído. As modificações deletérias observadas no aparelho digestivo associadas ao consumo de álcool parecem se relacionar a efeitos diretos e indiretos do etanol, assim como do acetaldeído. Algumas das alterações causadas pelo álcool no trato gastrointestinal são:
Prejuízos no processo absortivo de macronutrientes, ácido fólico, B12, tiamina e vitaminas B6/C/A/D/E/K;
Interferência na atuação de enzimas localizadas nos enterócitos, como, por exemplo, a lactase, que parece ter atuação reduzida, prejudicando a digestão e absorção da lactose;
Efeito tóxico, direto e indireto, no epitélio da mucosa intestinal, alterando a microcirculação local e causando danos à integridade da barreira do intestino;
Aumento do influxo de células do sistema imune responsáveis por ativar a resposta inflamatória local, causando injúria ao tecido.
Além disso, o consumo de álcool, principalmente crônico, se relaciona com mudanças na microbiota intestinal, observadas pela depleção do nível de bactérias com atividade mais anti-inflamatória e produção aumentada de toxinas bacterianas, que, aliadas à maior permeabilidade causada pelas injúrias à mucosa intestinal, provocam quadros de endotoxemia, relacionados com um estado de inflamação crônica de baixo grau. A ingestão alcoólica excessiva pode ainda provocar quadros de SIBO: supercrescimento bacteriano no intestino delgado, alterando processos absortivos e piorando os danos ao tecido intestinal.
O tabagismo também influencia de maneira negativa uma série de funções gastrointestinais. O fluxo sanguíneo da mucosa e da submucosa de todo o TGI é comprometido pelo ato de fumar, provocando um estado de hipóxia que prejudica a realização das funções normais do estômago e do intestino, como as secreções necessárias para digestão, além de poder alterar a composição da microbiota desses locais.
Alterações na estrutura epitelial da mucosa dos órgãos do sistema digestivo causadas, entre outros mecanismos, pelo estresse oxidativo resultante do ato de fumar aumentam a predisposição para lesões como úlceras e até o desenvolvimento de cânceres. A atividade de síntese de prostaglandinas também é alterada em indivíduos fumantes, e aquelas que têm potencial de prevenir injúrias locais devido ao seu potencial mais anti-inflamatório tem seu nível reduzido.
No que diz respeito às alterações da microbiota relacionadas ao tabaco, o consumo dessa substância parece levar ao aumento do estresse oxidativo, prejuízos na integridade das tight junctions e na composição da mucina intestinal. Nesse cenário, os filos Proteobacteria e Bacteroidetes parecem aumentar, assim como os gêneros Clostridium, Bacteroides e Prevotella. Já os filos Actinobacteria e Firmicutes e os gêneros Bifidobacterium e Lactococcus têm seus níveis reduzidos. A redução na diversidade do microbioma é similar àquela observada nas doenças inflamatórias intestinais e na obesidade.
Assim, considerando os efeitos tanto do álcool e seus metabólitos, como do tabaco e seus componentes, em mecanismos relacionados ao desenvolvimento de doenças no trato gastrointestinal, seu uso deve ser considerado como um importante fator de risco para a patogênese de condições que reduzem a qualidade e expectativa de vida. Dessa forma, devem ser desencorajados e evitados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bode, C., & Christian Bode, J. (2003). Effect of alcohol consumption on the gut. Best Practice & Research Clinical Gastroenterology, 17(4), 575–592. doi:10.1016/s1521-6918(03)00034-9
Kamada, T., Kawano, S., & Tsuji, S. (1995). Smoking and the digestive system. Journal of Gastroenterology, 30(6), 803–808. doi:10.1007/bf02349653
Capurso, G., & Lahner, E. (2017). The interaction between smoking, alcohol and the gut microbiome. Best Practice & Research Clinical Gastroenterology, 31(5), 579–588. doi:10.1016/j.bpg.2017.10.006
Savin, Z., Kivity, S., Yonath, H., & Yehuda, S. (2018). Smoking and the intestinal microbiome. Archives of Microbiology, 200(5), 677–684. doi:10.1007/s00203-018-1506-2
Kommentare