O exercício físico é proposto como um fator de estilo de vida que é importante agente na modulação da microbiota. Mas é como dizem: a diferença entre o remédio e o veneno está na dose, e o mesmo é válido para a influência do exercício na saúde intestinal. O exercício em volume e intensidade elevados, especialmente quando acima da capacidade física individual, se torna um estressor e pode gerar uma disrupção na homeostase intestinal.
Um dos benefícios atribuídos ao exercício quando o assunto é microbiota é o aumento da diversidade microbiana. A diversidade é uma característica importante dentro de qualquer ecossistema, garantindo estabilidade e propiciando que cada espécie ali dentro possa exercer com eficiência sua função. Logo, quando falamos de diversidade microbiana no ambiente intestinal, não nos referimos apenas a composição de microrganismos presentes ali, mas também a sua funcionalidade local e que repercute na saúde como um todo (fator limitante para a interpretação de muitos estudos na área, visto que na maioria das vezes, analisa-se a composição e suas alterações, sem levar em conta a atividade metabólica de determinada espécie, que pode variar muito dependendo do ambiente que se encontra).
Essa característica da diversidade é um dos parâmetros da microbiota que parece variar do extremo positivo para o negativo de acordo com a intensidade do exercício praticado. Porém, a capacidade física e o estado nutricional dos indivíduos também devem ser levados em conta na hora de considerarmos essa associação.
Em indivíduos não atletas, os benefícios de aumento da diversidade microbiana tendem a ser observados a partir da prática regular de exercício moderado, respeitando seu nível de preparo físico. Ainda, aqueles que se localizam na faixa adequada de IMC parecem ter esse efeito mais significativo do que indivíduos obesos praticantes de atividade física.
Já quando pensamos em atletas de alto nível, que necessariamente possuem uma carga de treino mais intensa, é preciso mais cuidado. Práticas exaustivas, principalmente de modalidades de endurance, geralmente se associam a desconfortos gastrointestinais agudos induzidos pela redução de fluxo sanguíneo no intestino, como náuseas, dor abdominal e até vômitos. Quando não há a recuperação adequada e tal condição acontece de maneira crônica, as consequências podem ser preocupantes.
Uma carga muito elevada de treino, em volume e intensidade, precisa ser finamente ajustada a aspectos de dieta e sono, ou pode acabar limitando a capacidade fisiológica de adaptação muscular, devido ao excesso de estresse oxidativo e inflamação. Além disso, durante treinos muito intensos, aumenta a necessidade de oxigênio e nutrientes no músculo. Nesse cenário, a perfusão sanguínea em outros órgãos diminui para atender as demandas musculares. Essa perda de perfusão sanguínea acontece no intestino e causa uma “isquemia temporária”, que, repetidamente acaba causando aumento da permeabilidade intestinal e o ambiente perfeito para o crescimento de patógenos oportunistas como Peptostreptococcus, Staphylococcus, Peptoniphilus, Acidaminococcus e Fusobacterium, com consequente aumento de produção de toxinas. Essa “invasão” leva à inflamação sistêmica de baixo grau e promove um estado catabólico no músculo, enquanto no ecossistema intestinal isso pode resultar em perda de espécies bacterianas com potencial anti-inflamatório importante como Bacteroides, Faecalibacterium, Collinsella e Roseburia.
Logo, o grande problema do treinamento excessivo reside em quando este está acima da capacidade física do indivíduo e/ou não possui o suporte dietético e de descanso adequados, fazendo com que o treino se torne um estressor e afete, entre outros órgãos e sistemas, a composição do microbioma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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