Na patogênese e progressão da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), a microbiota tem fortes implicações, já que o intestino possui um eixo de comunicação bidirecional com o fígado, assim como possui com outros órgãos (como o cérebro). Devido a uma grande parte do suprimento sanguíneo hepático vir da região esplênica (ou seja, dos órgãos presentes na cavidade abdominal), este acaba sendo bastante exposto às toxinas e fragmentos bacterianos advindos da região intestinal, principalmente em casos de permeabilidade alterada. (Buzzetti, et. al, 2016)
Como o tecido hepático é permeado por várias células do sistema imune, como linfócitos, macrófagos, células NK e outras, a presença de toxinas e microrganismos patogênicos acaba estimulando a atuação dessas células, produzindo uma resposta inflamatória que causa dano tecidual e piora a progressão de doenças hepáticas. A ativação de cascatas inflamatórias também prejudica a sinalização da insulina, fato intrinsecamente relacionado ao desenvolvimento da DHGNA. Além da permeabilidade aumentada, o supercrescimento bacteriano parece ser um fator independente que aumenta a predisposição individual para o surgimento da DHGNA. (Buzzetti, et. al, 2016; Safari & Gérard, 2019)
Além disso, desequilíbrios na microbiota estão envolvidos na modulação de vários dos fatores de riscos da DHGNA, como a desregulação do balanço energético, a resistência à insulina, inflamação e metabolismo da colina e ácidos biliares. A colina é um nutriente envolvido no metabolismo de lipídios e do colesterol, além de atuar na circulação enterohepática de ácidos biliares. Baixos níveis de colina estão relacionados ao acúmulo de gordura no fígado, e um estudo demonstrou que, associada à abundância de Gammaproteobacteria e Erysipelotrichi e um polimorfismo no gene PEMT, a baixa ingestão de colina aumenta o risco de esteatose. (He, et. al, 2016)
É interessante a observação de que o microbioma de pacientes com esteatohepatite não alcoólica, uma das condições sob o guarda-chuva da DHGNA, tanto em crianças quanto em adultos, apresenta abundância de bactérias produtoras de etanol. Essa substância é tóxica para o tecido hepático, e seus maiores níveis séricos nesses pacientes - mesmo sem a ingestão de álcool - pode explicar a semelhança das características histológicas entre as doenças hepáticas alcoólicas e não alcoólicas. (Buzzetti, et. al, 2016)
Além de alterações na microbiota, tanto em questão de composição como de função, estarem relacionadas ao desenvolvimento e progressão da DHGNA, o uso de probióticos e prebióticos no manejo dessa condição demonstra como a relação é bidirecional, visto que a modulação do microbioma é capaz de produzir melhoras no quadro de pacientes com casos de DHGNA. São diversos os mecanismos pelos quais a microbiota pode aliviar ou piorar os quadros da doença hepática - e estes serão discutidos e apresentados em uma publicação posterior. No entanto, essa noção permite que soluções baseadas na modulação da microbiota possam ser adotadas como terapêuticas ou preventivas no que diz respeito à saúde hepática. Além de espécies específicas e metabólitos bacterianos que podem impactar a condição - como os ácidos graxos de cadeia curta -, a manipulação do microbioma a partir de hábitos dietéticos mais saudáveis figura como importante medida protetora contra o desenvolvimento de DHGNA. (Safari & Gérard, 2019)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Buzzetti, E., Pinzani, M., & Tsochatzis, E. A. (2016). The multiple-hit pathogenesis of non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD). Metabolism, 65(8), 1038–1048. doi:10.1016/j.metabol.2015.12.012
Safari, Z., & Gérard, P. (2019). The links between the gut microbiome and non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD). Cellular and Molecular Life Sciences. doi:10.1007/s00018-019-03011-w
He, X., Ji, G., Jia, W., & Li, H. (2016). Gut Microbiota and Nonalcoholic Fatty Liver Disease: Insights on Mechanism and Application of Metabolomics. International Journal of Molecular Sciences, 17(3), 300. doi:10.3390/ijms17030300
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