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Obesidade, síndrome metabólica e doença hepática gordurosa não alcoólica: qual a relação?


A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é considerada como o componente hepático da síndrome metabólica (SM), condição que, segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, é diagnosticada na presença de pelo menos três dos cinco critérios abaixo:

  • Obesidade central - caracterizada por valores de circunferência da cintura > 88cm em mulheres e > 102 cm homens;

  • Hipertensão arterial;

  • Glicemia alterada ou diagnóstico de diabetes;

  • Triglicerídeos > 150 mg/dl;

  • Valores de HDL < 40 mg/dl em homens e < 50 mg/dl em mulheres.

Um dos motivos que colocou a DHGNA como manifestação hepática da SM é o fato de estar fortemente associada à hiperinsulinemia/resistência à insulina e outras características dessa condição metabólica, como a própria obesidade. Um exemplo claro disso é o fato de indivíduos que possuem SM terem maior risco de desenvolver DHGNA. (Bedogni, et. al, 2005).


O que acontece é que à medida que o consumo energético é muito maior do que o gasto calórico, o ganho de peso ocorre. Nesse cenário, o tecido adiposo precisa se expandir para suportar os excessos. Quando a necessidade de expansão é muita, esse tecido acaba sofrendo uma disfunção que resulta na morte dos adipócitos. Nesse cenário, uma inflamação local se desenvolve, e em um ambiente com elevados níveis de citocinas inflamatórias, a sinalização de insulina fica prejudicada. Esse hormônio - a insulina - é o principal sinalizador anabólico, ou seja, uma de suas atuações mais marcantes é agir como uma “chave” que abre as portas das células para entrada de nutrientes e crescimento dos tecidos. No caso do tecido adiposo, faz com que a gordura entre nos adipócitos e seja ali armazenada. Quando a sinalização da insulina não funciona corretamente, os ácidos graxos livres (AGL) não conseguem entrar e ficam circulando pela corrente sanguínea, e acabam sendo estocados em outros órgãos que, primariamente, não têm essa função de estoque. (Canfora, et. al, 2019; Brunt, et. al, 2015)


Um desses órgãos é o fígado. Os hepatócitos, os tipos celulares que compõem o fígado, possuem proteínas que atuam como transportadores que retiram os AGL do sangue mesmo sem a atuação da insulina, e pessoas com obesidade costumam ter níveis elevados dessas proteínas. Logo, ocorre uma entrada excessiva de AGL nessas células, que são estocadas na forma de triglicerídeos. A DHGNA na forma de esteatose é caracterizada justamente pelo excesso de gordura dentro dos hepatócitos. (Brunt, et. al, 2015)


Outra contribuição da obesidade para o desenvolvimento da DHGNA é a alteração que causa na microbiota. O eixo intestino - fígado conecta esses dois órgãos e o aumento da permeabilidade intestinal em casos de disbiose - muito comum em pacientes com sobrepeso e obesidade - aumenta o risco de danos hepáticos. Além disso, algumas bactérias são capazes de, a partir de certos tipos de carboidrato, produzir etanol, um composto que exerce efeito tóxico direto nos hepatócitos e piora a progressão da DHGNA. Um aumento na abundância desses microrganismos tem sido observado em pacientes com esteatohepatite não alcoólica e com obesidade, resultando em maiores níveis dessa substância na circulação. Na população com excesso de peso, existe também a tendência de um perfil de bactérias que realizam uma extração elevada de nutrientes da dieta, ou seja, possibilitam maiores níveis de nutrientes na corrente sanguínea, o que pode piorar os níveis de acúmulo lipídico no fígado. (Buzzetti, et. al, 2016; Brunt, et. al, 2015)


O tecido adiposo contribui ainda com a manutenção do estado de inflamação crônica de baixo grau, no qual há uma expressão elevada de genes inflamatórios e ativação de células do sistema imune, fator que parece estar relacionado à progressão da DHGNA e aos danos causados ao tecido hepático. (Buzzetti, et. al, 2016)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Bedogni, G., Miglioli, L., Masutti, F., Tiribelli, C., Marchesini, G., & Bellentani, S. (2005). Prevalence of and risk factors for nonalcoholic fatty liver disease: The Dionysos nutrition and liver study. Hepatology, 42(1), 44–52. doi:10.1002/hep.20734


Brunt, E. M., Wong, V. W.-S., Nobili, V., Day, C. P., Sookoian, S., Maher, J. J., … Rinella, M. E. (2015). Nonalcoholic fatty liver disease. Nature Reviews Disease Primers, 15080. doi:10.1038/nrdp.2015.80


Buzzetti, E., Pinzani, M., & Tsochatzis, E. A. (2016). The multiple-hit pathogenesis of non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD). Metabolism, 65(8), 1038–1048. doi:10.1016/j.metabol.2015.12.012

Canfora, E. E., Meex, R. C. R., Venema, K., & Blaak, E. E. (2019). Gut microbial metabolites in obesity, NAFLD and T2DM. Nature Reviews Endocrinology. doi:10.1038/s41574-019-0156-z

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